RESENHA: As misturas de língua.
RESENHA: PIERRE, CADIOT (1989). As misturas de língua. Tradução Alkmin, T. In: VERMES,G. & BOUTET, J. (Org.). Multilinguismo. Campinas: Ed. Unicamp.
A língua nacional é o que determina o falante como cidadão de um determinado país. Quando ocorre uma mistura de línguas, essa será sempre estigmatizada, considerada impura, vergonhosa e inaceitável, sendo esta representação social particularmente reforçada pela escola, uma vez que o espaço escolar, na pessoa do professor da língua materna, coloca-se como o guardião da integridade simbólica da língua.
Na contramão desse fenômeno, encontramos aquele que estuda as falas misturadas ou code-switching — o uso alternado de dois ou mais códigos por indivíduos bilíngues numa mesma interação conversacional. Os falantes monolíngues, em geral, comandam diversas variantes (registro, estilo) das línguas que falam e devem selecionar uma variante particular sempre que decidem iniciar uma conversa. Bilíngues, por sua vez, além de alternar entre variantes, podem alternar entre códigos ou mesmo misturá-los na interação, criando, deste modo, enunciados híbridos no processo denominado code-switching.
Segundo Cadiot (1989:140), no caso do code-switching “os locutores têm pouca consciência do fato de que alternam as línguas; (...) quase não têm consciência de que, para comunicar, mobilizam dois ou mais códigos diferentes (...)”.
Quanto à diglossia (idem, p. 141), a ideia geral é, em poucas palavras, a da dominação duma língua sobre outra, porque cada uma das variedades se associa, no seu uso, com um conjunto de domínios ou aspectos de organização social vinculados ao poder, político, econômico ou cultural. Então temos duas variedades que coexistem numa mesma comunidade, cada uma desempenhando papel específico, tendo em vista a compartimentalização social das línguas, como por exemplo, o alemão como a língua do coração e o português como língua do pão.
O espaço do cruzamento linguístico é a comunidade. É na comunidade ou entre elas que se concretiza o contato que produz fenômenos de mescla ou de convivência, mecanismo “ativado” pelos indivíduos que integram tais comunidades, onde há espontaneidade na fala e onde não haverá um espaço de aceitabilidade.
(...) é nos lugares públicos da região de Forbach-Sarreguemins que temos reunidas as condições para que a representação da mistura de línguas enquanto déficit estigma ou falta não tenha efeito aparente sobre a vida cotidiana. (...) é a evidência, a espontaneidade incontornável da fala comum misturada (sobretudo no bar).
Pensando em língua nacional/língua materna como forjadora da identidade individual e coletiva do sujeito. Essa identidade se dá através de operações sócio-culturais, políticas e religiosas, isto é, a organização política do mundo afeta a estruturação do falante.
Seja aqui em terras tupiniquins, ou além-mar, transformar a língua materna em língua nacional é resultado de uma política nacionalista, que objetiva mudar a língua materna daqueles que falam uma outra língua que não aquela que os identifique com um país.
Apesar de o Brasil ser um país plurilíngue, em que a língua portuguesa está atravessada pelos diversos dialetos fronteiriços e indígenas, pelo idioma dos imigrantes e de seus filhos, enfim pela mistura de línguas que aqui encontramos, ainda perpetua-se o discurso estigmatizante em relação às misturas de línguas.
Na ditadura de Getúlio Vargas, criou-se o "crime idiomático" e houve uma forte repressão contra quem falasse alemão ou italiano, sobretudo na região sul do Brasil. Mais recentemente (em 2001), em uma tentativa de valorizar o uso da língua portuguesa, o deputado Aldo Rebelo propôs o Projeto de Lei nº 1676-D, de 1999, que pretendia eliminar o uso desnecessário de qualquer palavra ou expressão estrangeira e também obrigar o uso da língua portuguesa por brasileiros natos e naturalizados e pelos estrangeiros residentes há mais de um ano no Brasil.
Não é possível tratar de forma estanque a questão da língua e da identidade dos falantes. Não é a fragilidade de um sistema sobre o outro ou mesmo a função social que configura o modo como a interferência se dá. O cruzamento se define numa relação constitutiva da língua e dos falantes dentro do espaço de enunciação, em que tanto as relações de poder, como a relação da língua/sociedade, constituem o sujeito-falante de forma a determinar de que modo a língua irá constituir o seu falante.